Numa semana...
Os meus filhos passaram a acordar às oito ou às nove da manhã, em vez das sete da manhã habituais.
Vão para a sala, brincam um com o outro e já não há ninguém a dizer "despacha-te que temos que ir para a escola!".
Tomam o pequeno-almoço com calma e continuam a brincar, explorando agora com muito mais detalhe os brinquedos que receberam nos anos e no natal.
Fazemos brinquedos novos com material reutilizado.
Em apenas 7 dias começámos a olhar para todas as caixas, fitas, plásticos e recipientes de outra forma, percebendo que esses objetos podem ser transformados noutras coisas.
Jogamos bowling com pacotes de leite e criamos fantoches com rolos de papel higiénico. Brevemente, vamos transformar pequenas caixas em apartamentos de uma mini cidade.
Temos sessões de culinária todos os dias. Já confeccionámos bolos, panquecas, mousse de chocolate, baba de camelo e outras tantas iguarias que antes do isolamento raramente apareceriam cá em casa, por falta de tempo.
Tempo... temos TEMPO para tudo agora! Até para nos zangarmos e fazermos novamente as pazes.
Antigamente, chegávamos tarde e não queríamos zangar-nos com os nossos filhos. Mesmo quando eles se portavam mal.
Tínhamos conflitos internos na hora de os pôr de castigo, porque só estávamos com eles algumas horas por dia e não queríamos passar essas horas chateados uns com os outros.
Queríamos que aqueles finais de dia fossem repletos de boas lembranças e não de sermões e castigos... a verdade é essa.
Mas agora... agora sabemos que podemos educar, dialogar, resmungar e até punir alguns comportamentos... e não há problema. Não há problema, porque também temos tempo para sermos felizes de novo, para voltarmos a ficar bem uns com os outros.
Parte da culpa que os pais carregavam no dia-a-dia... desapareceu. E os miúdos até já colaboram na limpeza da casa, sem que nos sintamos uns cretinos por lhes passar um paninho do pó para as mãos )
Em toda esta semana... o Vasco nunca falou da escola. Nunca referiu ter saudades dos amigos (embora eu saiba que quando os vir, vai pular de alegria). Nunca manifestou desânimo por estar em casa com a mãe.
Antes pelo contrário!
Vejo-o feliz, saltitante e com mais disponibilidade para aprender coisas.
Fazemos puzzles, vemos vídeos sobre o corpo humano, desenterrámos os jogos de cálculo, números e letras que ele nunca até agora quis jogar. Temos pequenas lições de inglês e lemos imensas histórias. E até já fomos passear para uma floresta silenciosa e verdejante, suficientemente isolada do mundo para não sermos contagiados pelo vírus.
O Xavier anda por aqui por casa todo contente, sempre agarrado às minhas pernas e a seguir-me para todo o lado, como um cachorrinho feliz.
E vocês perguntam: mas então, nunca fizeste nada disso quando não existia esta pandemia?
Nunca fizeste jogos?! Nunca cozinhaste com os miúdos?! Nunca reutilizaste materiais?
Claro que sim!! Mas era tudo mais pontual e fragmentado. Entre o trabalho e as diversas obrigações que fazem parte da vida de um adulto, acabávamos por fazer tudo... a correr.
E portanto...
Há milhares de vidas humanas a terminar por causa deste vírus.
Há avós que já não estão com os netos desde que o isolamento começou.
Há médicos e enfermeiros no limite das suas forças a tentar ajudar todos os que enfrentam os efeitos da pandemia.
Há toda uma economia a desmoronar-se e o nosso ganha-pão está a derrocar com ela. É tudo tão mau!!
Mas os FILHOS (a maior parte dos filhos...) nunca estiveram tão FELIZES. A verdade é essa.
Por isso digam-me...
Como é que algo tão triste como um vírus mortífero pode, em determinados momentos (e diferentes contextos), originar felicidade?
Se está tudo tão errado... como pode parecer tão certo?