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O Triângulo Perfeito

A vida de uma família perfeitamente normal

O Triângulo Perfeito

A vida de uma família perfeitamente normal

Qui | 04.10.18

Continuo por cá

Ana

Aos 4 anos, usava óculos super graduados e era estrábica do olho esquerdo. Andava com uma ventosa no olho durante grande parte do dia e tinha graves problemas de descordenação. Apesar disso, era feliz.

Vivia numa aldeia de casas baixinhas e com apenas dois prédios. A minha casa era no 2ºandar de um desses prédios. A minha mãe organizava grandes festas no dia do meu aniversário e nessas festas aparecia um número infinito de crianças.

Amigos da rua, alunos dela e até miúdos que eu não conhecia. O meu dia de anos era sempre um dia mágico, com muitos bolos, prendas e alegria.

 

Aos 10 anos eu era uma menina tímida e introvertida. O meu pai trabalhava longe e a minha mãe, a braços com dois filhos pequenos já não tinha grande tempo para organizar festas. Mesmo assim, organizou-me a festa de aniversário mais feliz que eu tive até hoje. 

Nessa festa, havia apenas duas crianças. Eu, e a minha melhor amiga (que ainda o é, hoje). A minha mãe enfeitou a mesa como se se tratasse de uma festa gigante, fez sumo de laranja natural que eu bebi pela palhinha e prendou-me com a minha comida favorita: bifinhos com cogumelos. Não fiquei triste por ter pouca gente nesse jantar. Porque quase tudo o que era importante estava lá: a minha mãe, e a minha melhor amiga.

 

Aos 13 anos saí da aldeia e fomos todos morar para a cidade. Não me adaptei, foram anos difíceis e durante esse tempo não me lembro de ter feito nenhuma festa ou jantar no meu dia de anos. Por certo, terá sido feita alguma coisa, mas... não me lembro. E isso diz muito sobre esses anos, aos quais gosto de chamar "a idade das trevas", kkkk.

 

Com 18 anos fui estudar para a Universidade dos Açores, onde passei dos melhores momentos da minha vida. Tive aniversários divertidos, dançantes, com muita música, alegria, amigos e alguns copos à mistura. 

 

Aos 23 anos terminei a licenciatura e fui dar aulas, pela primeira vez, numa escola a 400km de casa. Nesse ano, passei o aniversário sozinha. Foi um bocado estranho, mas fez-se bem. Os colegas da escola organizaram um jantar e senti-me bastante feliz, apesar de estar longe da família e amigos.

 

Com 26 anos, era aventureira e gostava de arriscar. Tinha sonhos e vontade de lutar por eles. Era nova e um bocado inconsequente. Acreditava muito nas pessoas. Acreditava em mim. Achava que eram todos tão dados e honestos como eu.

Como resultado da minha inocência... sofri muito.

Nesse ano, fiquei desempregada, chateei-me com os meus pais e fui morar para um quarto alugado durante alguns meses. Entretanto, arranjei uma casa decente, e fiz as pazes com a família. Mas as memórias daquele quarto sem janela e partilhado com algumas baratas... ficarão para sempre. 

Uma semana antes do meu aniversário entrei, por opção minha, num hospital e pedi para me internarem. Estava com um esgotamento nervoso. Estive 5 dias isolada do mundo. Foi uma mudança de paradigma. Quando saí... era uma pessoa diferente. Não me lembro do que fiz nesse ano, no meu aniversário. Psicologicamente, eu não estava "cá".

 

Com 31 anos, achava que a vida já não tinha mais nada para me oferecer. E estava ok com isso.

Tinha emprego fixo, tinha superado uma depressão, tinha dinheiro, tinha o apoio da família e tinha amigos. Estava feliz e achava que isso era o máximo que a vida me podia dar.

Mas o mundo dá muitas voltas. O tempo veio a mostrar-me que vida ainda podia ser melhor. Reencontrei um amor antigo, fundei um lar e uma família e hoje temos dois filho maravilhosos.

Reativei um sonho perdido: fui tirar a licenciatura em Ciências da Comunicação. Fui aprender a dançar Jazz, tornei-me mais confiante.

 

Hoje faço 39 anos, e já tenho imensos cabelos brancos :) O meu corpo está cansado e já não responde às situações como devia. Estou mais ou menos a meio da esperança de vida nacional e isso faz-me confusão. Já não aguento as noitadas com os amigos e opto por jantares mais intimistas com aqueles que mais amo. Ainda não fiz as pazes com tudo o que me aconteceu no passado, mas sinto que está tudo muito "arrumadinho". Estou funcional e estou serena. 

Faço anos hoje e o mais importante de tudo é que continuo por cá.

Olho para trás e não me arrependo de nada. Há momentos que gostaria de ter evitado, mas tudo bem. Porque foram eles que me levaram até aqui. E eu gosto de ser quem sou. 

Ainda tenho muitos sonhos e, guess what? Ainda acredito nas pessoas. Mas acima de tudo... continuo a acreditar em mim. 

A vida é uma viagem e eu gosto de acreditar que ainda estou a meio do percurso. E estou curiosa para saber onde é que este comboio me vai levar...

 

 

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