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O Triângulo Perfeito

A vida de uma família perfeitamente normal

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Sab | 30.01.21

A mulher na janela

Ana
Em frente ao meu prédio está outro prédio que sempre achei construído perto demais.
Nesse prédio, no segundo andar (mesmo ao meu nível, portanto) está uma janela sem cortinas. Ou talvez tenha cortinas, mas sempre recolhidas para deixar entrar o sol.
 
Nessa janela, uma mãe passeia-se para cá e para lá, com um bebé ao colo. Outras vezes, assoma sozinha na vidraça olhando o mundo com um olhar parado.
Como também eu tenho as cortinas recolhidas, imagino que essa mulher também me olhe de vez em quando. Afinal, a minha janela está mesmo diante da sua...
 
Sim, acredito que ela me observa! Umas vezes com interesse; outras vezes com a indiferença de quem tem muito para fazer.
 
Na monotonia dos dias, vamo-nos cruzando sem cruzar, falando sem falar e sentindo as mesmas coisas alternadamente: alegria, dor, conforto, segurança, revolta, desespero ou cansaço.
 
Pergunto-me como se sente aquela mulher, dedicando todo o seu tempo e energia à sua cria. Despersonalizada? Vazia? Preenchida? Feliz?
O que faria ela antes deste confinamento? Como seriam os seus dias? Que hobbies lhe dariam satisfação?!
 
Quando chove muito, vejo-a com pouca nitidez.
A imagem dela aparece-me intercalada por riscas de água vertical, como uma TV estática ou película de filme antigo.
Mas nesses dias, para ser honesta, não tenho grande interesse na mulher. Só penso no quanto gostaria que a chuva fosse embora.
 
Na janela da mulher já não há arco-íris pintados. Na minha janela também não.
 
Um dia, quando tudo acabar (que é como quem diz, quando voltarmos a correr as cortinas) vou falar com ela!
Vamos rir e conversar, trocar sonhos e planos. E os nossos filhos vão brincar juntos sem medo no pequeno quadrado de relva que separa os dois prédios.
 
Numa casa do prédio ao lado, vive uma mulher como eu. Espero um dia conhecê-la.
Essa mulher faz-me companhia. Mas temo que não exista.
Receio que seja apenas o meu reflexo num vidro demasiado limpo, numa janela demasiado grande de um prédio demasiado próximo.

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