Nas escolas portuguesas, sensivelmente a meio dos períodos letivos, é comum marcarem-se reuniões intercalares. São reuniões onde se faz um balanço do aproveitamento e comportamento de cada turma, delineando-se estratégias para melhoria dos resultados.
Há uns anos estive presente numa dessas reuniões, onde para além dos docentes estavam ainda presentes dois encarregados de educação (representantes) e dois alunos (a delegada e o subdelegado de turma).
A certa altura, um dos encarregados de educação pediu um pouco de tempo para abordar um tema que o preocupava:
"Queria aproveitar o facto de estarem aqui dois alunos desta turma para fazer um apelo. Como sabem, o João (nome fictício) tem Asperger e comporta-se de modo um pouco diferente. Quero que digam ao resto da turma que o João deve ser tratado normalmente, sem o inferiorizarem. Porque ele é um menino especial, mas merece ser tratado da mesma forma".
Perante este pedido, o diretor de turma ficou apreensivo e perguntou ao encarregado de educação se, por acaso, já tinha havido alguma situação mais melindrosa envolvendo o "João" e a turma.
O encarregado de educação respondeu que não. Mas queria apenas alertar, para prevenir.
Quando olhei para o rosto dos dois alunos que ali estavam presentes em representação da turma, apercebi-me de alguma perplexidade. Tinham um ar surpreso, como se não estivessem a perceber nada da situação.
Mais tarde, esses mesmos alunos contaram-me o seguinte: nunca se tinham apercebido que o João tinha Asperger (nem sabiam o que isso era). E nunca o tinham tratado de modo diferente. Tiveram conhecimento da situação do João, naquela reunião, pela boca da encarregada de educação.
"Para nós, o João é um rapaz normal" - disse uma das alunas.
"Tem o seu feitio e é um bocado obcecado por carros, mas há meninos da turma que são vidrados em futebol, por isso..." - disse a outra aluna.
"É tímido, não fala muito... mas é um bom amigo"- isto foi outras das coisas que me disseram.
A conclusão que eu tirei desta situação é que, muitas vezes, os rótulos são colocados por nós, adultos. Sem querer, descarregamos a nossa ansiedade e medo (aquela mãe estava efetivamente preocupada e eu se estivesse lugar dela, provavelmente também estaria) e esquecemo-nos que as crianças nem sempre funcionam como nós.
Na maioria das vezes, os miúdos não têm a mínima noção dos problemas que afetam os restantes colegas. Sobretudo no intervalo etário entre os 3 e os 10 anos, estas questões passam um bocado ao lado (hà exceções, claro).
As crianças não dizem que o colega tem dislexia, que aquele miúdo é "especial" ou que é autista. E não... não estão nada interessadas nos resultados académicos dos seus amiguinhos.
Interessam-se mais por aquilo que se passa no intervalo, no recreio. Nesse espaço, fazem apenas alusão ao "feitio diferente" do colega que é mais ou menos "conversador" ou "bate nos outros".
Basicamente, os miúdos gostam de brincar com outros miúdos. Gostam de ter companhia e não perdem muito tempo a pensar nas derivações à média.
A verdade é que as crianças não têm amigos com Asperger: têm AMIGOS! Ponto.
E todos os amigos são especiais.